quinta-feira, julho 30, 2009

Inércia



Era uma manhã de sol claro, os ventos de julho invadiam as casas. Casas tortas, toscas, feitas de barro, essas comuns no Nordeste. Uma mãe chorava pelo seu filho. Silenciosamente, como se todas as mães conseguissem chorar silenciosamente por um filho morto.
Mas, aquela mãe, bem lá no seu íntimo, já sabia que um dia teria que ver o seu filho dentro de um caixão.
Conhecíamos aquela família desde que chegaram no bairro, só uma mulher com 3 filhos. Logo na chegada, alguns estranharam e comentavam entre sí, ela não tem marido...vive só, com os filhos.
Meses depois, todos já sabiam que ela divorciara-se do marido, concluira um curso de enfermagem, e que trabalhava em um hospital público. Ás vezes, os seus filhos passavam o dia inteiro sozinhos, ela chegava já tarde da noite, dava a janta, colocava-os para dormir.
O menino mais velho chamava-se Paulo, o do meio Sergio, e o menorzinho, Celso. Todos estudavam numa escola pública pela manhã. Fátima, a mãe, os deixava na escola e saía para o trabalho.
Sendo enfermeira, Fátima conseguia muitas amostras de medicamentos e guardava-as em casa, numa caixa de sapato. Sérgio o filho do meio, logo percebeu onde a mãe guardava os medicamentos e começou a usá-los sem qualquer controle.
Passados alguns anos, o garoto havia se viciado em medicamentos, anti-depressivos, psicotrópicos e outros, a mãe, nada percebia.
Já com 15 anos, os remédios não faziam o efeito desejado, resolveu provar outras drogas...
Agora, com 17 anos, ei-lo estendido no centro da sala, dentro de um caixão, velado por pessoas sujas, opacas, tristes, numa casa pobre. Alguém começa a rezar um terço solitariamente.
Essa é a sua missa de corpo presente. Pobres não pagam missa de réquiem, são rencomendados ao Eterno pelos vizinhos ou familiares...
Servem café, alguns engolem rapidamente, outros recusam, talvez pensem no defunto: jovem, moreno, corpo inerte no meio da sala, barba, cabelos, tudo por fazer neles todos.
Duas crianças brincam embaixo do caixão do tio, parecem anjos, que desconhecem a existência do inferno...
Chega a funerária, todos se alvoroçam, querem dar ao morto o seu último adeus:
- Descanse em paz...
-Vá com Deus...
-Vá sem mim, sem os meus...
Sai o carro, choro, gritos fazem parte dos familiares que ficaram na casa. Entre eles, alguém cochicha a causa mortis, por eles guardada à sete chaves:
-Foi um ataque cardíaco mortal, fulminante, à noite... Overdose... de cocaína.

2 comentários:

  1. Triste realidade, mais comum do que se imagina. Bem representada em poucas linhas.

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  2. Ótima história, retrata a vida de muita gente que às vezes estão bem próximas de nós, mas, sentem-se sozinhas.

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